Lembro quando eu era criança e as pessoas que me achavam fofa
me perguntavam: “você é solteira, casada ou viúva?” Vê se isso é coisa de se
perguntar a uma criança... Eu sabia que casada eu não era, solteira pra mim era
quem tinha namorado, o que eu também não tinha e viúva eu não sabia o que era.
Portanto, eu sempre dizia que era viúva.
As meninas que cresceram em comunidades religiosas e
fielmente mantiveram-se nelas, podem observar comigo algum tipo de crueldade
praticada de maneira implícita: fomos feitas pra casar e o nosso relógio
biológico não para por nada. Pra mim, trata-se de um tipo de violência, que tão
docemente aplicada, passa despercebida. A pressão sobre a jovem ou nem tão
jovem para casar, deve-se ao fato que depois de ficar “velha” não haverá mais
tantas possibilidades, ou porque solteira corre mais o risco de “pecar”,
prostituir-se, ou simplesmente porque é o seu dever casar e ter filhos. O que
foge disso é discrepante com toda ideologia e vida estimuladas nas prédicas e
falas eclesiais. Algumas e alguns também, se sentem tão pressionados com isso
que casam-se logo e depois arrependem-se duramente, mas aí, nem sempre a igreja
dará a mesma força que deu para casar. E
também existem aqueles que para não serem constantemente abordados, acabam por
afastar-se da igreja.
Já recebi comentários de pessoas bem articuladas até que
expressavam claramente a seguinte afirmação: você deve estar muito infeliz.
Sim, há pessoas que não aceitam ver uma jovem sozinha, ela certamente está
morrendo por dentro. Ela não tem futuro sozinha, ela deve casar-se o mais
rápido possível.
A narração mítica do Éden, conta-nos como aconteceu o estigma
de Eva, que ao persuadir o pobre Adão, fica marcada para sempre. A mulher no Decálogo é mencionada juntamente
com outras propriedades e bens do homem, que não deveriam ser objetos de cobiça.
Como a concepção do matrimônio era androcêntrica, o matrimônio e a mulher
estavam situados por lei dentro do direito patrimonial e de propriedade. (NETO,
2001, p.61) Como propriedade do homem, a mulher tem seu lugar definido por ele.
Esta opressão fica vinculada à tensão que sofreram Eva e Maria. “Para a mulher
normal não existe lugar fora da alternativa entre sedutora e a mulher intocada
e piedosa. Na lógica patriarcal, o homem é proprietário da mulher” (RIEGER apud
PLETSCH, 2004, p.23) sendo esta de tão ínfima importância a ponto de que na
tríplice oração judia característica dos rabinos do século II, os judeus
piedosos deveriam dar graças todos os dias por três coisas: não ter nascido
gentio, nem ignorante sobre a lei, e não ter nascido mulher. (BINGEMER, 2008,
p.47).
Bom,
no contexto em que Jesus chega e olha, percebe, toca na mulher há uma mudança
relativa à sua dignidade. Pois é isso que precisava ser restaurado. A idéia de
propriedade, objeto sexual, sem importância, é substituída por apreciações e
defesas que as faziam sentir-se diferentes de tudo o que a própria sociedade
afirmava e reafirmava que elas eram. Muda-se o discurso, mas vejo que hoje,
corremos constantemente o risco de estar retrocedendo. A ponto de casamentos
atuais assemelharem-se àqueles arranjados pelos pais judeus em que não cabia a
filha opção de escolha. Casa-se porque tem que casar, casa-se por uma questão
de status social, casa-se porque assim a gente fica mais “santo” e menos
vulnerável a “pecar”, casa-se por um tanto de coisa, mas na grande maioria das
vezes não se casa pelo mais importante: por amar. Jesus levantou a mulher de um
chão sentimental em que ela não tinha voz e sua única posição era a de posse. Ele
se deixa tocar por suas doenças e tragédias, sem medo de ser contaminado.
Não
me esqueci de Paulo, casar é melhor do que se abrasar. Mas quando ele mesmo diz
que a mulher deve viver para o marido e vice versa, acredito que “viver para
uma pessoa” deve ser algo tão intenso e trabalhoso que não possa ser feito
senão por meio de amor e não apenas sexo. Se não nascemos para ser propriedades,
nascemos para ser amadas e não é a igreja que estipulará o tempo em que isso
ocorrerá. Portanto, mulher: Não se case! Até que seja verdadeiro.
BINGEMER, Maria Clara Luchetti. Jesus Cristo: servo de Deus e Messias
glorioso. São Paulo: Paulinas, 2008.
NETO, Rodolfo Gaede. Diaconia de Jesus. São Leopoldo:
Sinodal; São Paulo: Paulus, 2001.
PLETSCH, Rosane. et. al. Práticas diaconais, Subsídios Bíblicos.
São Leopoldo: Sinodal, 2004.
Observações: O texto centraliza-se na relação da mulher com a
igreja, não porque outras pessoas que estejam foram desse âmbito religioso não
possam agir da mesma forma, mas porque a igreja é a instituição que
supervaloriza isso, precisando rever sua posição à luz do comportamento do
próprio Cristo.
2 comentários:
Gostei do texto Hevellyn. Muitas vezes as pessoas realmente são cruéis, como se nós fôssemos culpadas por estarmos solteiras ou pior, como se fosse um grande pecado não ser casada. Casamento é algo muito sério e como vc disse, só devemos casar por amor, e verdadeiro amor não se encontra a todo momento ou em qualquer esquina. Devemos sempre pedir orientação de Deus, pois só Ele nos direciona em nossas escolhas e opções.
Concordo Aline! =)
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