sexta-feira, 9 de novembro de 2012

crentes cruéis: mulher, case-se!


Lembro quando eu era criança e as pessoas que me achavam fofa me perguntavam: “você é solteira, casada ou viúva?” Vê se isso é coisa de se perguntar a uma criança... Eu sabia que casada eu não era, solteira pra mim era quem tinha namorado, o que eu também não tinha e viúva eu não sabia o que era. Portanto, eu sempre dizia que era viúva.

As meninas que cresceram em comunidades religiosas e fielmente mantiveram-se nelas, podem observar comigo algum tipo de crueldade praticada de maneira implícita: fomos feitas pra casar e o nosso relógio biológico não para por nada. Pra mim, trata-se de um tipo de violência, que tão docemente aplicada, passa despercebida. A pressão sobre a jovem ou nem tão jovem para casar, deve-se ao fato que depois de ficar “velha” não haverá mais tantas possibilidades, ou porque solteira corre mais o risco de “pecar”, prostituir-se, ou simplesmente porque é o seu dever casar e ter filhos. O que foge disso é discrepante com toda ideologia e vida estimuladas nas prédicas e falas eclesiais. Algumas e alguns também, se sentem tão pressionados com isso que casam-se logo e depois arrependem-se duramente, mas aí, nem sempre a igreja  dará a mesma força que deu para casar. E também existem aqueles que para não serem constantemente abordados, acabam por afastar-se da igreja.

Já recebi comentários de pessoas bem articuladas até que expressavam claramente a seguinte afirmação: você deve estar muito infeliz. Sim, há pessoas que não aceitam ver uma jovem sozinha, ela certamente está morrendo por dentro. Ela não tem futuro sozinha, ela deve casar-se o mais rápido possível.

A narração mítica do Éden, conta-nos como aconteceu o estigma de Eva, que ao persuadir o pobre Adão, fica marcada para sempre. A mulher no Decálogo é mencionada juntamente com outras propriedades e bens do homem, que não deveriam ser objetos de cobiça. Como a concepção do matrimônio era androcêntrica, o matrimônio e a mulher estavam situados por lei dentro do direito patrimonial e de propriedade. (NETO, 2001, p.61) Como propriedade do homem, a mulher tem seu lugar definido por ele. Esta opressão fica vinculada à tensão que sofreram Eva e Maria. “Para a mulher normal não existe lugar fora da alternativa entre sedutora e a mulher intocada e piedosa. Na lógica patriarcal, o homem é proprietário da mulher” (RIEGER apud PLETSCH, 2004, p.23) sendo esta de tão ínfima importância a ponto de que na tríplice oração judia característica dos rabinos do século II, os judeus piedosos deveriam dar graças todos os dias por três coisas: não ter nascido gentio, nem ignorante sobre a lei, e não ter nascido mulher. (BINGEMER, 2008, p.47).

Bom, no contexto em que Jesus chega e olha, percebe, toca na mulher há uma mudança relativa à sua dignidade. Pois é isso que precisava ser restaurado. A idéia de propriedade, objeto sexual, sem importância, é substituída por apreciações e defesas que as faziam sentir-se diferentes de tudo o que a própria sociedade afirmava e reafirmava que elas eram. Muda-se o discurso, mas vejo que hoje, corremos constantemente o risco de estar retrocedendo. A ponto de casamentos atuais assemelharem-se àqueles arranjados pelos pais judeus em que não cabia a filha opção de escolha. Casa-se porque tem que casar, casa-se por uma questão de status social, casa-se porque assim a gente fica mais “santo” e menos vulnerável a “pecar”, casa-se por um tanto de coisa, mas na grande maioria das vezes não se casa pelo mais importante: por amar. Jesus levantou a mulher de um chão sentimental em que ela não tinha voz e sua única posição era a de posse. Ele se deixa tocar por suas doenças e tragédias, sem medo de ser contaminado. 

Não me esqueci de Paulo, casar é melhor do que se abrasar. Mas quando ele mesmo diz que a mulher deve viver para o marido e vice versa, acredito que “viver para uma pessoa” deve ser algo tão intenso e trabalhoso que não possa ser feito senão por meio de amor e não apenas sexo. Se não nascemos para ser propriedades, nascemos para ser amadas e não é a igreja que estipulará o tempo em que isso ocorrerá. Portanto, mulher: Não se case! Até que seja verdadeiro.

BINGEMER, Maria Clara Luchetti. Jesus Cristo: servo de Deus e Messias glorioso. São Paulo: Paulinas, 2008.
NETO, Rodolfo Gaede. Diaconia de Jesus. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2001.
PLETSCH, Rosane. et. al. Práticas diaconais, Subsídios Bíblicos. São Leopoldo: Sinodal, 2004.

Observações: O texto centraliza-se na relação da mulher com a igreja, não porque outras pessoas que estejam foram desse âmbito religioso não possam agir da mesma forma, mas porque a igreja é a instituição que supervaloriza isso, precisando rever sua posição à luz do comportamento do próprio Cristo.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Eu não sei!



Já faz bastante tempo que não ouço uma pregação viva sobre as desgraças mais doídas que cercaram Jó. Também, quando ouvia não me apontavam grandes reflexões já que todos iam apenas pelo caminho da gratidão e vigilância. O fato é que ás vezes não há sinal de esperança mesmo. E não há sentido pra tudo. Nem tudo tem significado e não é sempre que podemos colocar o nome de Deus numa sentença para explicar o acontecimento. Eu não sei: Talvez seja a afirmação mais sábia em tempos em que realmente não se sabe o motivo.

Eu me sinto a pessoa mais honrada quando tenho a oportunidade de abraçar alguém e dizer: “esta fase vai passar” quando todos ao seu redor exprimem justamente o contrário com os olhos. Pode até haver explicação, mas diga-me como ficaria o seu coração se Deus o tomasse tudo de mais precioso para que o adversário visse o quanto você é fiel e depois, Ele afinal, lhe daria tudo em dobro? Às vezes a Bíblia nos deixa sem palavras. E o propósito dela não é mesmo nos dar todas as palavras e muito menos justificar o que nos ocorre. De tempos em tempos os cristãos se pegam confrontando com as Escrituras, não as querem deixar, mas não podem deixar de pensar. Eu não sugiro que isto seja errado, pois, é um movimento constante que faz parte de um processo de legitimação da fé. Somos moídos até chegar o ponto de não buscarmos explicação pra tudo, de nos sentirmos naquele barquinho que cantamos com tanta força, está nas mãos de Jesus.

Jó perdeu muitas coisas, as quais eu chamaria indispensáveis. Mas não perdeu a si mesmo, não desistiu de lutar contra a dor e a confusão. Experimentar a dor é sempre real, mas acostumar-se a ela faz de nós apenas sobreviventes.

Eu perdi a coragem de fazer muitas pregações. Que bom, as frases que soavam tão bonito não fazem mais sentido. Por isso o evangelho diariamente soa tão hipócrita e falso para muitos, pois é pregado com tanta facilidade que vê-se logo que quem está pregando não passou metade do que está falando e que aquele esboço, quando há esboço, não foi feito sob lágrimas. Como poderia ser lindo e alegre o caminho da cruz? Ou somos masoquistas ou somos seres humanos que querem passar pela dor e não permanecer nela. Admiro os pregadores que ouço quando declaram não ter respostas para tudo e que nunca escondem a dor de suas próprias vidas e que ao cantarem “sim, eu amo a mensagem da cruz” expressam ter a consciência de que esta mensagem atingirá, de maneiras que eles não sabem e talvez não esperam, todas as áreas de sua vida.

Eu tenho algumas explicações ao meu alcance para alguns acontecimentos que ocorrem atualmente no mundo. Eu vejo facilmente porque certos relacionamentos afundam. Consigo ver respostas para frustrações do dia a dia, mas, há coisas que eu não sei, eu não poderia tentar te ensinar e nem me ensinar. Talvez o melhor a fazer seja olhar nos olhos de Jesus e confiar.