terça-feira, 26 de abril de 2011

Portadores espirituais

O homem é encantado pelo belo e perfeito. Não compramos um vaso apenas para pôr flores, mas porque ele é delicado, possui uma cor bonita e combina com o ambiente; nós vamos além do necessário.

Existe um histórico de exclusão. No Antigo Testamento havia restrições bem claras para coxos e enfermos e os cordeiros imperfeitos não serviam para expiação de pecados. Textos do século XIV remontam uma história de inquisição em que dementes mentais e portadores de necessidades especiais estavam na linha de pessoas torturadas e flageladas por não terem alma ou por serem amaldiçoadas e hospedarem demônios. Se não tinham alma, a eliminação podia ser legitimada diante de Deus. Ainda hoje algumas tribos eliminam crianças doentes e excepcionais; em nosso meio os menos favorecidos financeira, imagética e mentalmente vão ficando à margem do convívio.

A sociedade é cruel e sectarista escolhendo sempre pelos padrões de “normalidade” e perfeição; abrindo um insignificante caminho para os pobres, humilhados, feios, doentes, passarem. Quanto menos barulho e estragos fizerem, melhor. E quanto menos ajuda precisarem, melhor ainda.

O grande foco do Novo Testamento é o perdão de pecados. As pessoas faziam relação entre pecado e enfermidade. Quando um paralítico é colocado perante Jesus numa situação bem constrangedora e delicada descendo pelo teto, Jesus diz que seus pecados estão perdoados. O que era mais importante? Perdoar pecados ou curar enfermidade? Jesus mostra que tem autoridade para perdoar, e não só perdoar como reverter todo o quadro da vida de uma pessoa, fazendo com que ela se levantasse e retomasse a sua vida, não precisando mais daquele velho leito.

Mas o que me chama mais atenção nessa história (Mt 9.1, Mc 2.1, Lc 5.17) é que Jesus viu quão grande era a fé daquelas pessoas que carregavam o paralítico. Os textos não fazem especificamente menção à fé do homem na maca, apesar de Jesus contemplar o que havia em seu coração; a única coisa que sabemos é que ele se levantou imediatamente e deu glórias a Deus segundo o texto de Lucas.

Algumas pessoas se reúnem para ajudar outra pessoa que não podia andar, que provavelmente era um morto-vivo; sem condições de trabalhar e relacionar-se com outros. Estas pessoas decidem chegar perto de Jesus de qualquer jeito e como havia muitas dificuldades, elas fazem um buraco no teto. Jesus olha o que outros iriam ver como confusão, loucura, coisa de ladrões, e avalia a fé dos homens que carregavam. Aqueles homens eram portadores espirituais. Se importavam com o paralítico; não queriam saber da vergonha que estavam passando, eles queriam que ele fosse curado.

Estamos entrando em tempos cada vez mais difíceis, em que os filhos têm vergonha dos pais; os cônjuges já não se olham mais; os que não se encaixam no perfil de beleza devem ser eliminados do grupo; um tempo em que a igreja está tão focada no belo, em eventos marcantes que se esquece de ser a maca do homem, provavelmente feio e sem forças, que não consegue chegar perto de Jesus sozinho. 

O Cordeiro Perfeito Jesus fez um único sacrifício por nós, tornando desnecessário qualquer outro tipo de sacrifício. Jesus toca nas pessoas sejam elas doentes, feridas, mal-cheirosas ou não. Ele traz a pedagogia do amor, da insistência, do educar acreditando na capacidade de compreensão. Isto mostra pra nós que a maior honra que temos é ser o portador daquele que não consegue ir sozinho. É ser o samaritano a beira do caminho; é continuar orando pelo que não parece ter jeito. A Igreja de Cristo é convidada a pregar para o sujo e enfermo e ter um olhar mais apurado para o que realmente importa, oportunizando o crescimento e desenvolvimento das pessoas; lutando contra a eliminação daquilo que consideramos fora do padrão aceitável, pois foi para os doentes que Ele veio.
Hev

terça-feira, 19 de abril de 2011

Como adquirir fé


Orlando Boyer, em seu conhecido livro Os Heróis da Fé, p. 147, nos conta a história de Jorge Müller; pregador que Deus levantou para ajudar os menos favorecidos e anunciar ao mundo como Ele honra a fé de Seus filhos de maneira surpreendente. Müller, quando questionado sobre como o crente poderia adquirir tão grande fé, ensinou:

“1) Lendo a Bíblia e meditando sobre o texto lido, chega-se a conhecer a Deus, por meio da oração.
2) Procurar manter um coração íntegro e uma boa consciência.
3) Se desejamos que a nossa fé cresça, não devemos evitar aquilo que a prove e por meio do que ela seja fortalecida.
Ainda mais um ponto: para que a nossa fé se fortaleça, é necessário que deixemos Deus agir por nós ao chegar a hora da provação, e não procurar a nossa própria libertação. Se o crente desejar grande fé, deve dar tempo para Deus trabalhar.”

Por vezes temos facilidade em acreditar em tanta coisa, mas uma dificuldade imensa em crer que Deus pode nos ajudar com nossos problemas. Acreditamos mais no que podemos ver e isto é totalmente avesso a 2 Coríntios 5.7, que diz que nós andamos pela fé e não por vista. O terceiro ponto colocado por Müller é bem difícil de viver. Queremos evitar a prova, se possível for, fugir dela ou fingir que não existe. Gostamos de evitar o que dói e nos voltar para o que dá prazer. Quando não temos as ferramentas corretas para lidar com o problema naquele momento, então preferimos deixá-lo, largá-lo em algum canto da nossa vida. Mas isso só acumula problemas para serem resolvidos.

“Não procurar a nossa própria libertação” é não querer se desfazer de qualquer jeito e a todo custo de algo que te incomoda. É deixar Deus fazer do modo Dele, nos libertando verdadeira e perpetuamente. Não é atropelando tudo que nos livramos das coisas. Pode ser que haja um processo e dentro desse tempo sejamos moldados para uma grande obra e fiquemos mais parecidos com Cristo e mais belos para nós mesmos.

 “Dar tempo para Deus trabalhar” é continuar seguindo o caminho ligado a Deus em oração e atitude. É não querer que as coisas sejam feitas no nosso tempo e deixar tudo agora nas mãos de Deus. Se não há nada que você possa fazer exatamente agora por determinado problema, será que se desesperar vai te tirar do lugar? No momento da provação não há oportunidade real para correr dela; existe a oportunidade para acrescer a intimidade com Deus e mostrar-se absolutamente dependente da provisão divina. 

Se algo está difícil, não evite olhar para o que deve ser feito. Cristãos que agem assim sempre estão com a fé do mesmo tamanho sem falar da imaturidade espiritual, sempre à base de leite. Encarar exige esforço, relutar contra os posicionamentos externos e alheios, sintonizar-se tão somente na voz que traz direção certa e segura. Orar "Senhor, aumente a minha fé" é importante, porque a vida cristã gira em torno de crer no que não dá pra ver nem tocar fisicamente,  mas só orar é pouco. É necessário tomarmos a forma de Cristo que se esvazia de si mesmo, se nega a viver o que não era o tempo e decide encarar a cruz.
Hev

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um coração sincero vale mais

Karen Armstrong em Defesa de Deus, p.175, cita a história de dois homens bem conhecidos; Lutero e Calvino na perspectiva da justificação e da observação do rito.

Lutero achava-se tão zeloso com a ordem e lembrava que com certeza se um monge pudesse entrar no céu pela disciplina monástica, este monge seria ele. Depois de Cristo ter revelado ao seu coração que um rito não podia salvar-lhe, e que “nossas boas ações são resultado e não causa do favor divino”, ele se sente renascer com as palavras de Romanos “o justo viverá pela fé”.

De igual forma, Calvino estava tão encantado com a igreja enquanto instituição, que não queria e não conseguia se libertar dela. Segundo suas palavras, foi necessário que Deus o conduzisse em outra direção “com a rédea oculta de sua providência”.

Nós também, assim como muitos homens e mulheres que serviram de inspiração, precisamos passar pelo crivo da fé que nos liberta para o renascimento. Muitos já se acharam fiéis quando na verdade não passavam de escravos da Igreja...E quantos de nós não nos achamos ativos cooperadores de Cristo quando na verdade faz um bom tempo que não temos um encontro verdadeiro com o Deus invisível?

Continuamos nossas atividades eclesiásticas a fim de não perder o ritmo e o tempo, mas ignoramos o fato de termos que parar para rever nossa comunhão com Cristo e com os irmãos. Uma fé madura está aberta e disposta a renovar-se. Um coração curado entende que a justificação nos torna íntimos do lugar santo de Deus; lugar que não chegaríamos por nosso mérito, e que uma instituição humana está mais para desviar o homem de Deus do que aproximá-lo, se a mesma não estiver ligada verdadeiramente à vontade e diaconia divina.

Quando não dá mais para encarar a fé como proposta de reconhecimento pessoal ou como algo que envelheceu em nós, podemos pedir licença e mudar de rumo. Um coração sincero pode encantar mais o olhar divino do que um coração pesado e cheio de coisas pra fazer pra Deus. 

Hev